sábado, 5 de abril de 2014

Grand Circo Saudade

   


   A lona furada já não abrigava tantos risos como antigamente.
   Rodando cidades e estados sobre aquele caminhão velho, muita história tinha se passado por todos aqueles objetos, equipamentos, todas aquelas cores desbotadas.
   Niam olhava tudo aquilo sentindo em seu peito um misto de nostalgia e tristeza.
   Filha de um mágico e uma amazona, crescera em meio a tudo aquilo, aqueles brilhos, aquelas palmas, o som de tanta risada.
   Hoje, em seu aniversário de 18 anos, pulsava em seu peito como nunca o sonho que sempre cultivou desde a infância. Morar em um lugar fixo, ter uma casa de tijolos, um endereço; não que a vida no circo fosse ruim, muito pelo contrário, amava a vida sobre rodas, dormindo sob tendas e estrelas, mas queria sentir o novo, o fixo. Sua aventura seria a rotina.
   Naquela manhã chegariam a mais um destino, o Grand Circo Saudade seria montado num campinho, ao lado da praça central da cidade e da igreja matriz de Colina Grande; era a chance de concretizar seu plano.
   Foi muito dolorido, mas a decisão estava tomada e Niam não voltaria atrás.
   Naquela escura noite de verão começava mais um espetáculo do Saudade, os palhaços maquiados, os truques preparados, as luzes acesas, toda a magia do show escondia uma família preocupada e inconformada pela decadência de seu ganha pão. As esperanças de um bom público depositadas a cada sessão eram sempre maiores.
   Depois de seu número, o primeiro apresentado, Niam correu para sua tenda, pegou a mala cuidadosamente disfarçada entre os cobertores, carregou Palhaço, seu coelho de estimação, colocou aos pés da antiga imagem de São Filomeno, padroeiro dos artistas de circo, a carta cheia de lágrimas e explicações a seus pais e aos amigos de tenda, vestiu um casaco grande demais e saiu.
   Começava a chover na cidade, as gotas de água escorriam frias como as lembranças de sua encerrada vida sem paradeiro que vinham à sua cabeça enquanto podia ver a luminosidade fosca vinda de dentro da lona. Andava depressa com medo de desistir e desfazer os passos já dados.
   Triste por abandonar sua família, perdida por não saber onde iria se abrigar, mas feliz por estar realizando seu sonho, estar crescendo, evoluindo, sabia que seria difícil, que pensaria em desistir várias vezes, mas ia tentar, pois sabia também que quando fosse necessário, quando as lágrimas fossem numerosas demais poderia procurar nos jornais, pedir informações, retornar até sua lona e abraçar o Saudade novamente.
   Ao fim do espetáculo, debaixo da forte chuva, a equipe do circo agradecia ao público e deixava naquela colina, uma raiz de saudade.

 Aluã Rosa

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