sexta-feira, 6 de junho de 2014

Oratório


   Com suas pequenas e tortas estrelinhas pintadas de amarelo no fundo azul da madeira envelhecida, os dois pequenos vasos sempre com flores frescas do quintal e os anjinhos rechonchudos já descascando, velava toda a casa o antigo oratório do alto da cômoda onde se apoiava, protegendo com suas frágeis paredes a pequena imagem da Vigem Maria e um crucifixo que os antepassados, imigrantes italianos, haviam trazido de seu país.
   A família, de muita fé, conservou muito bem o oratório que os acompanhou na difícil vinda ao Brasil. Trouxeram-no em meio às roupas da bagagem naquele navio apinhado de pessoas, e passavam os piores momentos da viagem agarrados àquela malinha que escondia precioso tesouro.
   Desde a chegada daqueles italianos, o oratório nunca mudou de lugar, na humilde casinha de poucos móveis, sobre a cômoda onde se guardavam as roupas, à luz do grande lampião que clareava toda a residência.
   Assistiu partos, prantos, gritos de alegria.
   Gerações e gerações passaram horas ajoelhadas rezando a sua frente. E o oratório sempre lá, sempre disposto a mais um Glória ao Pai, assim como os ouvidos de Deus que nunca se cansam de acolher as nossas preces e pedidos de perdão.
   Os respingos de cera amarela se sobrepunham no lugar onde tantas vezes foram acesas velas em agradecimentos, novenas, festas.
   Nas datas mais importantes do ano era difícil algum horário em que ninguém estivesse dedicando alguma atenção ao oratório.
   Todos os dias depois do jantar, a família toda se reunia para rezar por mais um dia vivido.
   Daquela forma, mães se tornaram avós, depois bisavós, tataravós. Muitos fios de cabelo tornaram-se brancos.
   A família modificou-se. Cresceu, trabalhou, evoluiu, mas sua base sempre continuou a mesma, seu alicerce foi mantido, e com isso, por mais que crescesse, sempre estaria firme.
   Os novos, mesmo os que nunca tiveram contato com os primeiros donos daquele oratório, receberam por herança a fé, e continuam a propagá-la, não deixam que a chama se apague, que tudo se desfaleça.
   Assim, mesmo com as tantas décadas já passadas, e as que ainda prometem vir, as portas daquele oratório nunca se fecharam uma vez sequer, nem hão de ser fechadas, pois muito mais do que suas tortas estrelinhas amarelas e suas imagens sagradas, guarda as firmes raízes daquela família, o amor e o cuidado de um Pai por seus filhos.

Aluã Rosa



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