sexta-feira, 14 de março de 2014

O anjo do chafariz


 No meio da praça daquela pequena cidade, tomando chuva e sol, vento e geadas, desde muito tempo, parado ficava o anjo em seu úmido pedestal.
   Invernos e verões passavam sem que quase ninguém se lembrasse dele. Ali, com suas várias camadas de tinta de várias épocas, os olhos fixados no além, as mãos postas a um louvor em jatos d’agua e ao som calmo da água corrente, velava ele toda a praça com suas asas de cimento.
   Muitas vezes, ignorado por todos que se divertiam nas tardes de domingo, servia como pouso para os pombos. Em certas épocas, chegou a ter parte de seu corpo coberta por musgos.
   Bolas o acertavam enquanto crianças brincavam, folhas o acariciavam nas tempestades ventosas. O anjo sempre respeitou sua função de estátua.
   Em dia de procissão músicas alegres o rodeavam, na primavera, flores perfumavam sua volta. Quem dera todos fossem como os pássaros que o visitavam.
   A cidade evoluía, gerações se sucediam, vidas começavam e terminavam diante do anjo e seu discreto sorriso.
   A população passava apressada e não tinha tempo para deleitar de sua companhia silenciosa. Desde o primeiro raio de sol da manhã até a última estrela da noite de todos os dias ele esperou.
   Um braço quebrado, uma asa trincada.
   Um menino e seu avô pararam para observar. Os olhos do avô brilharam de alegria ao rever o anjo amigo que tanto admirou secretamente na infância, os do neto, saltaram em encanto pela simpatia do encontro.
   Um cochicho. Os dois saíram.
   No meio daquela noite, o anjo retomou seu brilho novamente, ganhou asas novas e um braço consertado.
   Quando amanheceu, sorrisos e mãos apontavam para o anjo. Todos perceberam e se alegraram pela reforma. Ninguém sabia quem era o benfeitor, mas o agradeceram no coração.
   Muitas pessoas passavam devagar para apreciar a beleza do velho anjo do chafariz, pessoas que mesmo sem demonstrar, admiravam e simpatizavam com seu jeitinho parado e frio.
   Um pouco a frente, num banco voltado para o chafariz, um velho e um menino riam com as mãos sujas de tinta.

Aluã Rosa

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