Invernos e verões passavam sem que quase ninguém se
lembrasse dele. Ali, com suas várias camadas de tinta de várias épocas, os
olhos fixados no além, as mãos postas a um louvor em jatos d’agua e ao som calmo
da água corrente, velava ele toda a praça com suas asas de cimento.
Muitas vezes, ignorado por todos que se divertiam nas tardes
de domingo, servia como pouso para os pombos. Em certas épocas, chegou a ter
parte de seu corpo coberta por musgos.
Bolas o acertavam enquanto crianças brincavam, folhas o
acariciavam nas tempestades ventosas. O anjo sempre respeitou sua função de
estátua.
Em dia de procissão músicas alegres o rodeavam, na
primavera, flores perfumavam sua volta. Quem dera todos fossem como os pássaros
que o visitavam.
A cidade evoluía, gerações se sucediam, vidas começavam e
terminavam diante do anjo e seu discreto sorriso.
A população passava apressada e não tinha tempo para
deleitar de sua companhia silenciosa. Desde o primeiro raio de sol da manhã até
a última estrela da noite de todos os dias ele esperou.
Um braço quebrado, uma asa trincada.
Um menino e seu avô pararam para observar. Os olhos do avô
brilharam de alegria ao rever o anjo amigo que tanto admirou secretamente na
infância, os do neto, saltaram em encanto pela simpatia do encontro.
Um cochicho. Os dois saíram.
No meio daquela noite, o anjo retomou seu brilho novamente,
ganhou asas novas e um braço consertado.
Quando amanheceu, sorrisos e mãos apontavam para o anjo.
Todos perceberam e se alegraram pela reforma. Ninguém sabia quem era o
benfeitor, mas o agradeceram no coração.
Muitas pessoas passavam devagar para apreciar a beleza do
velho anjo do chafariz, pessoas que mesmo sem demonstrar, admiravam e
simpatizavam com seu jeitinho parado e frio.
Um pouco a frente, num banco voltado para o chafariz, um
velho e um menino riam com as mãos sujas de tinta.
Aluã Rosa
Curta aqui nossa página no facebook.
Siga por aqui o Catapalavras no twitter.
Nenhum comentário:
Postar um comentário