quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Despertar obsessivo



- Que situação!
Exclamava a todo instante aquele senhor dentro do carro; viúvo, sozinho, foi obrigado a morar com o filho na cidade. A ideia não agradou nenhum pouco, ficar preso em um apartamento e ter concreto como paisagem na janela era demais.
            O filho, por sua vez, tentava convencê-lo de que seria bom ficar mais próximo dos médicos, da tal civilização. A proposta foi feita “ou o galo vai junto, ou não vai ninguém”. Era uma ideia estranha, mas se a condição era aquela, o que poderia ser feito?
O galo foi, hospedado no mesmo quarto que seu dono, agora seria o despertador oficial do apartamento, ou melhor, do andar inteiro.
Mas o galo não cantou já na primeira manhã.
Depois de levar uma grande bronca do chefe devido ao atraso, o filho saiu do trabalho com uma ideia na cabeça, comprar um despertador para o pai se esquecer do galo, comprou.
Chegando em casa, entregou o despertador para o senhor e depois disso se arrependeu profundamente.
O velhinho encantou-se pela máquina, maravilhou-se com o magnífico mecanismo que fazia sons na hora marcada.
Tamanho foi o encantamento, que na manhã seguinte acordou bem cedo com seu novo despertador e partiu para a rua, rodou mercados, lojas, vendas, bazares e gastou toda a sua aposentadoria em despertadores.
Agora sim era um homem feliz.
O apartamento estava ficando lotado de despertadores. Nas cômodas, aparadores, no alto dos guarda-roupas, na mesa da cozinha, tudo despertava. A cada cinco minutos um deles tocava em algum canto e o velhinho corria pelo apartamento em busca da fonte do barulho.
O galo descontrolou-se e passou a cantar a qualquer hora do dia. Dezoito cartas do síndico já haviam chegado, todas com a mesma reclamação. O filho tinha olheiras enormes no rosto e cada dia chegava em um horário diferente no trabalho. Demitido.
A décima nona carta chegou no dia em que foi comprado o último despertador. Isso mesmo, o último, depois dele não veio mais nenhum, afinal, o sítio em que foram morar depois de serem expulsos do prédio ficava muito distante das lojas; de despertador, somente o galo mesmo.


Aluã Edson Rosa


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